Entrevista a Samuel Natário
«Temos que ter autoestima e querer mais. Não nos podemos resignar»
Nome: Samuel Natário
Idade: 34 anos
Naturalidade: Palmela
Atividade profissional: Comunicação e Responsabilidade Social - Volkswagen Autoeuropa
A cegueira repentina
«Ceguei há sete anos, com 26 anos. Foi muito repentino. Comecei a perder a visão por volta de setembro/outubro de 2012, mas uma coisa muito ténue. Já usava óculos para ler e conduzir. Quando fui ao oftalmologista, disseram-me que, realmente, estava a ver pior e tinha que mudar a graduação dos óculos. Mas quando os óculos novos chegaram e os experimentei, percebi que já não era aquela a graduação. Para além disso, tive dois episódios de enxaquecas. Foram os únicos sintomas que tive.
Continuei em médicos, até que uma oftalmologista descobriu que tinha uma lesão neurológica. Fiz uma série de exames, que revelaram um quisto, benigno, que cresceu junto ao cérebro e tocou no nervo ótico. Ceguei logo do olho direito e, entretanto, fui operado ainda a ver do olho esquerdo, mas já uma visão mais tubular. Uns dias depois de ser operado é que fui perdendo a visão do olho esquerdo. Só tenho a perceção da luz e sombras.
2013 foi o ano do luto. Fui a vários médicos, ouvir segundas opiniões. No início de 2014, confirmaram-me que tinha ficado com uma atrofia do nervo ótico».
A conquista da autonomia
«A partir daí, tive todo o meu processo de aceitação da perda da visão. Procurei uma amiga, a Simone Fragoso, atleta paralímpica, que já participou neste projeto, e pedi-lhe para me fazer chegar a alguém que tivesse passado por um processo destes. E então ela contactou o Jorge Pina, que também é atleta paralímpico, que me deu a conhecer o Centro de Reabilitação Nossa Senhora dos Anjos, em Lisboa.
Entrei no Centro em setembro de 2014 e fiz um processo de três/quatro meses, em que aprendi praticamente a fazer tudo, porque aquele Centro dá às pessoas tudo o que necessitam para adquirir as competências.
Aprendi a andar na rua com uma bengala, porque é das coisas mais importantes para uma pessoa com uma patologia do foro visual conseguir ter uma boa orientação e uma boa mobilidade, para não estar estagnada em casa.
No Centro, existem três áreas, que são AVD Cozinha, AVD Roupa e AVD Competências Sociais. Na AVD Roupa, aprendemos a lavar e coser roupa, passar a ferro, etc. Na AVD Cozinha, aprendemos a cozinhar em segurança: mexer em facas, ligar o lume sem nos queimarmos, etc. A AVD Competências Sociais visa essencialmente pequenas coisas como contar o dinheiro, utilizar o Multibanco ou a arrumação de tudo o que temos dentro das nossas casas.
Entre janeiro e junho de 2015, fiz pós-reabilitação. A partir de janeiro, já comecei a ir de Palmela para Lisboa todos os dias de transportes públicos. Apanhava cerca de quatro autocarros por dia, entre ida e volta. De manhã, ia para o Centro e ao final da manhã ia para a ACAPO ter formações, até para ter os certificados de capacidades em Tecnologia, já com objetivo de poder regressar à organização onde trabalhava.
Em junho, dei por terminado todo este processo de reabilitações e formações e, basicamente, já tinha conseguido adquirir a minha autonomia de novo».
Yolo: um guia essencial para a independência
«Após terminar este processo de reabilitação, chamaram-me a atenção para a questão dos cães-guia, porque era uma grande ajuda nas deslocações. Tinha problemas com o cheiro a cão em casa, com o pêlo e, inicialmente, estava um pouco reticente.
Mas entretanto inscrevi-me e passei por um processo de seleção por parte da Escola de Cães-Guia de Mortágua, a única portuguesa. Só que, graças ao nosso país, a Escola não tem propriamente todos os meios necessários para dar uma resposta rápida e célere aos pedidos que tem. Por vezes, demora cerca de dois/três anos.
Na altura, ainda havia um protocolo entre a escola portuguesa e a escola de Nova Iorque e, todos os anos, eram doados dois cães americanos à escola portuguesa. Consegui ser selecionado e, ao fim de um ano, consegui ir buscar o Yolo aos Estados Unidos. As ordens do Yolo têm que ser dadas em inglês, porque aprendeu tudo nessa língua».
Um novo percurso profissional e académico
«Trabalhava na Autoeuropa desde 2007, na área da Produção, e regressei em junho de 2016, passando a integrar a Comunicação. Para poder voltar a trabalhar, só precisei de uma pen e de um programa de voz. Atualmente, para além da Comunicação, também trabalho na área da Responsabilidade Social.
Quando ceguei, já tinha o plano de ir para o Ensino Superior, que caiu por terra. Entretanto, comecei a perceber que se calhar ainda conseguia dar mais esse passo. A escolha do curso de Serviço Social, que terminei este ano, no ISCTE, surgiu devido ao que fiz no Centro e na ACAPO. No Centro, tínhamos pessoas de todas as idades e eu era dos mais novos. Há pessoas que cegam com 60/70 anos e têm mais dificuldade de aprendizagem. Na altura, tentava ajudá-las. Eu tenho uma patologia, mas há pessoas que têm muitas patologias associadas. Sentia as dificuldades dos outros. Acabei por fazer o estágio do curso no Centro de Reabilitação».
Foco nos objetivos de vida
«Temos que ter autoestima e querer mais. Não podemos estagnar, não nos podemos resignar, senão só estamos a fazer mal a nós próprios. Temos que ter os nossos objetivos, focarmo-nos neles e ir atrás. Independentemente de tudo, temos que ser consistentes e sérios em busca desses objetivos e não desistir!
Se, ao participar nos Role Models e contar a minha história e o meu processo, conseguir ajudar alguém, será ótimo».