Pela defesa dos valores da Democracia nos media

A Câmara Municipal de Palmela aprovou, por unanimidade, na reunião pública de dia 9 de janeiro, uma moção pela defesa dos valores da Democracia nos media. Através da moção, o Município manifesta o seu repúdio pelo protagonismo mediático concedido por um programa que preenche a grelha das manhãs de um canal privado de televisão a um representante de organizações fascistas e pelo branqueamento histórico do período que antecedeu o 25 de abril.
A Autarquia exige, ainda, da Entidade Reguladora para a Comunicação Social uma ação exemplar perante este e outros casos de desrespeito pela Constituição da República.
Transcreve-se, abaixo, o texto integral da moção:
«Um programa que preenche a grelha das manhãs de um canal privado de televisão levou a estúdio, no dia 3 de janeiro, Mário Machado, líder da organização de extrema-direita Nova Ordem Social (NOS), ex-dirigente da Frente Nacional, fundador do grupo de skinheads Hammerskins e criminoso condenado por diversos crimes, entre os quais, participação na agressão a um grupo de pessoas no Bairro Alto, em 1995, da qual resultou a morte de Alcindo Monteiro. A entrevista decorreu no âmbito de uma peça em que se questionava o público sobre a necessidade de um “novo Salazar” para Portugal, ação acompanhada de um inquérito on-line.
A entrevista, entretanto já indisponível nos arquivos da estação, gerou, nos últimos dias, fortes reações nos diversos quadrantes da sociedade portuguesa. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) confirmou a receção de várias participações contra a referida estação de televisão, entre as quais, da União de Resistentes Antifascistas Portugueses, que denunciou a difusão de «conceções fascizantes contrárias ao texto da Constituição da República Portuguesa». Importa recordar que, no n.º 4 do artigo 46.º (Liberdade de Associação), a nossa Constituição define que «não são consentidas associações armadas nem de tipo militar, militarizadas ou paramilitares, nem organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista».
O Sindicato dos Jornalistas lembra, em comunicado, o Código Deontológico a que estão sujeitos estes profissionais, sublinhando que «a comunicação social - os jornalistas e as direções e administrações dos órgãos de informação – tem o dever de saber que a democracia também tem linhas vermelhas – as da sua própria preservação. Não vale tudo em busca das audiências». Além da queixa à ERC, o Sindicato endereçou, também, queixas à Assembleia da República, à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista – pela utilização indevida do termo “repórter”, que vem manchando e desprestigiando a profissão – e à Ordem dos Advogados, a quem se pede que esclareça se Mário Machado é, efectivamente, advogado ou jurista, como foi apresentado, e em caso afirmativo, se as suas posições respeitam o código de ética desta classe profissional.
Este caso é apenas o mais recente de uma prática que tem assumido maior destaque nos últimos anos e usufruído de crescente complacência por parte das autoridades. A par dos fenómenos de ressurgimento e subida ao poder de partidos nacionalistas e de personalidades ligadas a grupos neonazis, um pouco por todo o mundo, também em Portugal, à beira do 45.º aniversário da Revolução de Abril, se multiplicam os discursos saudosistas do regime fascista, a manipulação da informação e o protagonismo descarado concedido a figuras com percursos de violência e ideais fascistas, a troco de audiências. Mário Machado foi apresentado como autor de declarações polémicas e disse, na televisão, que o crime do Bairro Alto, pelo qual cumpriu pena de prisão, se tratou de uma disputa entre grupos rivais, aludindo a suposto erro judicial. No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, pode ler-se que foi condenado por «oito crimes de ofensas corporais com dolo de perigo», refutando a tese de rixa: «não houve contenda, não houve rixa, mas apenas agressores de um lado e agredidos do outro».
Por seu turno, a estação de televisão em causa suspendeu a rubrica do programa, mas defendeu-se, em comunicado, afirmando que a peça «se enquadra num normal debate de opiniões numa democracia», «comprometida com o respeito pelas liberdades individuais». A defesa do pseudopluralismo e a difusão despudorada de valores fascistas nos media representam perigos sérios e concretos, que ameaçam a vida em democracia, os direitos humanos e a própria Paz. No “Paradoxo da Tolerância”, o filósofo austríaco Karl Popper alertava, durante a II Guerra Mundial, que «a tolerância ilimitada leva necessariamente ao desaparecimento da tolerância» porquanto «se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante contra a investida dos intolerantes, então os tolerantes serão destruídos e a tolerância junto com eles».
A comunicação social não pode demitir-se do seu papel de informar com clareza e verdade, confirmando os factos e respeitando a Constituição da República e o seu Código Deontológico, sob pena de os conteúdos de assimilação rápida, as redes sociais e as tão propaladas notícias falsas passarem a ser a principal fonte de difusão de informação junto das/os cidadãs/ãos.
Acreditamos que, também neste campo, a educação é a resposta, sendo urgente uma maior aposta na literacia mediática e cidadã, para a formação de cidadãs e cidadãos mais preparadas/os e capazes de selecionar e interpretar a informação disponível, para uma cidadania mais ativa e inteligente.
Reunida na Biblioteca Municipal de Palmela, a 9 de janeiro de 2019, a Câmara Municipal de Palmela compromete-se, uma vez mais, com a defesa dos valores da Liberdade e da Democracia e com a prossecução de projetos de literacia mediática e cidadã, e delibera:
- Manifestar o seu repúdio pelo protagonismo mediático concedido a representantes de organizações fascistas e pelo branqueamento histórico do período que antecedeu o 25 de abril;
- Exigir da Entidade Reguladora para a Comunicação Social uma ação exemplar perante este e outros casos de desrespeito pela Constituição da República;
- Exigir, igualmente, da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista uma ação mais forte e eficaz relativamente aos órgãos de comunicação social que apresentem, indevidamente, como “repórter” ou “jornalista” trabalhadores sem Carteira;
- Dar conhecimento da presente moção a:
. Sua Excelência o Presidente da República
. Sua Excelência o Presidente da Assembleia da República
. Sua Excelência o Primeiro-Ministro
. Grupos Parlamentares da Assembleia da República
. Assembleia Municipal de Palmela
. Assembleias e Juntas de Freguesia do Concelho
. Associação Nacional de Municípios Portugueses
. Associação de Municípios da Região de Setúbal
. Entidade Reguladora para a Comunicação Social
. Comissão da Carteira Profissional de Jornalista
. Sindicato dos Jornalistas
. União dos Resistentes Antifascistas Portugueses
. Comunicação social.»