Largo da Mitra
Rua Gago Coutinho e Sacadura Cabral, Pinhal Novo.
9 janeiro 1946
Autor da fotografia: Raul Ramos Gouveia
Esta era uma das áreas mais movimentadas de Pinhal Novo, em meados do século passado, pela proximidade à antiga Estrada dos Espanhóis, a principal zona de comércio à época, por onde transitavam também os mercados do gado. Estava próximo ao local de atravessamento pedonal da linha. A primeira ponte foi construída em 1939. Esta estrada vai até ao Tejo, na Moita. Na placa toponímica está inscrito «Antiga Estrada dos Hespanhóis».
A moagem de João Augusto Baltazar Parreira
Do lado esquerdo, o muro e o edifício de primeiro andar constituíam parte da moagem de João Augusto Baltazar Parreira, antigo Vereador na Câmara Municipal de Palmela, após a Restauração do Concelho em 1926. Como refere José Manuel Cebola, era “pessoa dedicada à Sociedade Filarmónica União Agrícola, foi elemento de diversas Direções até à década de 1950. Em 1946 adquiriu, de parceria com o irmão José, a fábrica de moagem. Depois de desfeita a sociedade, ficaria como único proprietário até ao final da sua vida. João Augusto Baltasar Parreira [nasceu em 1898 e] faleceu em 1962.” [1]
A moagem “entrou em funcionamento no início do século XX, sendo seu proprietário Frederico Augusto Silva. Local onde os habitantes das redondezas levavam os cereais que, depois de transformados em farinha, serviam para fazer o pão com que as famílias se alimentavam. O segundo proprietário da moagem foi o Sotto Mayor que casou com a herdeira de Frederico Silva. O último foi João Augusto Parreira. Para além de outros empregados, destacamos os moleiros, que durante cerca de sessenta anos, deram vida à moagem: Manuel Ferreira, Manuel Oliveira, Costa e Acácio Pimenta. Encerrou em 1963 e situava-se entre a via-férrea e a Estrada dos Espanhóis, frente à Mercantil.” [2]
Mais tarde, foi construída a cooperativa de consumo Coopinhal, inaugurada a 24 de Março de 1977. [3]
Em 1990 foi fundada a Pluricoop, que integrou a Coopinhal de Pinhal Novo, tendo iniciado a sua atividade económica em 1992. A empresa entrou em insolvência em maio de 2011, em resultado da crise económica de 2008. [4]
O edifício da família Brinca
No outro lado da antiga Estrada dos Espanhóis, na esquina do edifício da família Brinca, funcionava a barbearia de Américo Rodrigues, posteriormente de Álvaro Amaro. Uns metros à frente, a mercearia de António Mestre, onde é hoje a barbearia de Álvaro Amaro. No primeiro piso, durante a década de 1940, nesta casa havia quartos para arrendar.
O Café de Maximino Nogueira de Faria
No fundo, à direita, no primeiro andar, habitava Maximino Nogueira de Faria, Regedor do Pinhal Novo entre 1947 e 1953. Alguns dos antigos moradores recordam-se de, neste local, existirem uma espécie de selas onde pessoas foram presas ou punidas com castigos corporais.
Maximino Nogueira de Faria era filho de Augusto Nogueira de Faria. Este consta da lista de Fundadores da SFUA, Sociedade Filarmónica União Agrícola de Pinhal Novo, em 6 de dezembro de 1896. [5] [6]
Maximino Nogueira de Faria nasceu em 27 de dezembro de 1910 e faleceu em Setúbal a 7 de dezembro de 1984. Foi Presidente da Direção da SFUA durante quatro mandatos, nos anos de 1953, 1954, 1965 e 1966.
A Família Faria era a mais abastada das famílias fundacionais de Pinhal Novo, que se estabeleceram na segunda metade do séc. XIX. Maria da Silva Faria ofereceu o terreno para o Cemitério Antigo de Pinhal Novo, inaugurado em 1925 por Manuel Godinho de Matos. A família de Manuel Godinho de Matos era natural de Ansião.
Em baixo, o Café do Maximino e, mais tarde, o Café do Zé Feijão e o Café do Zé Nabo. Trata-se de um edifício com projeto dos anos de 1920 e construído durante as décadas de 1930 e 1940.
Sobre o Maximino, refere o poeta Samuel da Costa Xavier de Pinhal Novo: “Maximino, tio Emídio/ Galego e Capareira/ Eram tavernas de fama/ A vender vinho à terceira.” [7]
A Mitra dos Azougados
Do lado direito da antiga Estrada Nacional 252, logo após o cruzamento com a antiga Estrada dos Espanhóis, a Mitra, edifício branco com portas à esquina da família de Júlio Mira Azougado, um projeto de construção de 1922.
Jacinto de Mira Azougado era o irmão mais novo de Joaquim de Mira Azougado, originários da Freguesia de Monte Trigo, Concelho de Portel. Este Joaquim era pai de Júlio Mira Azougado que nasceu em Évora, na Freguesia da Sé, cerca de 1886, e faleceu em Pinhal Novo em 01 de Junho de 1941. Júlio de Mira Azougado foi Regedor de Pinhal Novo poucos anos antes de falecer. Teve dois filhos. Jacinto Júlio Azougado que casou com a filha de Henrique Bento. O outro filho, Júlio de Jesus Azougado, ficou conhecido como Júlio Azougado da Taberna da Mitra.
Sobre a Escritura de constituição da Sociedade da família dos Azougados, da Taberna da Mitra, refere José António Cabrita, que “nos primeiros dias de Dezembro de 1917, Jacinto de Mira Azougado e um sobrinho, de nome Júlio Mira Azougado, aquele anotado como proprietário, este, como comerciante e ainda solteiro vinham «negociado até agora em sociedade irregular», num estabelecimento que mantinham no sítio de Pinhal Novo. Decidiram então constituir uma sociedade, que adoptou «a firma Azougado & Sobrinho», que tinha como «objeto o comércio de vinhos, azeites, cereais e outros géneros similares». A sede mantinha-se em Pinhal Novo e o capital social foi de «seis mil escudos», dividido em partes iguais, e inteiramente «realizado em géneros e utensílios existentes no estabelecimento» já existente. A escrituração da sociedade ficava a cuidado de Júlio, provavelmente porque entre outras qualidades que o aconselhariam para tais funções, ele sabia escrever, ao contrário do que acontecia com o seu tio, e sócio. (…) Assim decidiram e celebraram escritura num notário com escritório em Setúbal, num primeiro andar da Praça de Bocage.” [8]
Imagem cedida por José Manuel Cebola
Inscrição no verso: Levantamento topográfico de José Manuel Cebola
Perspetiva de T. Pinto. Ano de 2001
O Armazém foi construído após a Taberna.
As primeiras portas, na imagem, eram a Taberna onde, defronte, todos os domingos decorria a “Praça dos Homens”. Os encarregados contratavam os trabalhadores à jorna para os trabalhos rurais. Neste local foi assassinado Manuel Dias, que era guarda de campos, como conta a poesia de Aníbal de Sousa, «… o terror espreitava/ E quando ninguém contava/ O sangue pelo chão correu:/ Alguém puxou da navalha/ Num gesto feroz, canalha/ E logo um homem morreu!»
Manuel Dias era avô de Amândio Dias que foi dono de um grupo chamado Fidenete. Tinha instalações no Alto do Carvalhinho. Foi muitos anos Presidente do Clube Desportivo Pinhalnovense.
A taberna situava-se no cruzamento, na esquina sudoeste, entre a antiga Estrada dos Espanhóis e a antiga Estrada Municipal 252 que seguia em direção a Palmela. Hoje, estas antigas estradas têm a designação de Rua Infante Dom Henrique e Rua Gago Coutinho e Sacadura Cabral, respetivamente.
Os portões altos, com lintel curvo em cima, eram as entradas para o Armazém, de construção posterior à taberna, onde se guardava fardos de palha e, certamente, vinho para a Taberna. Nas traseiras do edifício situava-se o quintal com capoeiras, pombal e um telheiro, de chapa ondulada, que servia de abrigo a quem não tinha onde passar a noite. Nascia assim a designação de Quintal da Mitra, talvez por inspiração do Albergue da Mitra para os indigentes sem-abrigo, em Lisboa.
O poeta Samuel escreveu: «Grande taverna era a Mitra/ Até no quintal haviam/ Roupas velhas para tapar/ Os pobres que lá dormiam.» [9]
Conta ainda Samuel, sobre alguns dos habituais frequentadores das noites no Quintal da Mitra: «Bicho Homem, O Lisboa/ Calha Bem e Tabernica/ Eram uns pobres de Deus/ Mas sua memória fica.» [10]
Alguns dos antigos moradores recordam-se do proprietário despojar as capoeiras, de modo a torná-las uma espécie de albergue onde os mais desfavorecidos passavam a noite, a troco de algumas moedas.
Durante a década de 1950, montavam um redondel onde se faziam as lides de touros à maneira popular. Tinha até umas bancadas de madeira amovíveis.
A Mitra era uma "taberna afamada. Local onde os trabalhadores rurais faziam os seus contratos para a semana seguinte e onde quase sempre havia rixas. A origem do nome está ligado à «assistência» que dava aos pobres que precisavam de abrigo para pernoitar. No quintal havia demonstrações de jogo do pau. Mais tarde, nos anos 50, foi montado no quintal um redondel, onde aos Domingos de mercado os aficionados mostravam os seus dotes. Estas garraiadas eram organizadas pelos Bombeiros Voluntários que precisavam de angariar fundos para o início da Associação". [11]
As demonstrações de jogo do pau no Quintal da Mitra contavam com a presença de Henrique Margarido, que «começou a praticar o jogo do pau no início dos anos 20, tendo atingido tal destaque na modalidade, que era considerado professor. Um dos locais habituais para demonstrações era o quintal da Mitra. (…) Ferroviário de profissão, Henrique Domingos Margarido [nasceu em 1899 e] faleceu em 1955.» [12]
Os Galegos
Do lado direito existia o espaço comercial dos Galegos, onde se vê uma janela de águas-furtadas. Na porta da esquina era a padaria da Dona Isilda, casada com um dos Galegos de segunda geração, seguida de mercearia, taberna, loja de fazendas e adega. O edifício sofreu um incêndio na década de 1960. Por essa altura, a «Mitra» dos Azougados já havia caído, sem que funcionassem mais o Armazém e a Taberna.
Sobre os Galegos, refere o poeta Samuel: «Os Galegos, os Parreiras/ O João Mouco, o Rabinha/ Eram os padeiros da fartura/ Que todo este povo tinha.» [13]
A Mercantil
Existia, ainda neste local, o edifício da Sociedade Mercantil Panificadora, Limitada, conhecida pela «Mercantil». Um dos principais sócios era Juan Benito Rodriguez Pardellas, nascido em 1882, no Concelho de Covelo, Província de Pontevedra, na Galiza, em Espanha.
Bilhete de Identidade de Juan Benito Rodriguez Pardellas
Imagem cedida por João Carlos Soeiro Pardelhas Bento, bisneto
Visto pelo Administrador do Concelho de Palmela
Capitão Clemente José Juncal
Palmela, 30 de Janeiro de 1930
Mais tarde, em cima a Escola, onde funcionavam as salas de aula. Nas traseiras do edifício era a zona de recreio. As Sabatinas eram provas de competição de conhecimentos que tinham lugar à época. Em baixo, o salão de baile da Sociedade Recreativa Literária e Musical, fundada cerca de 1937 e vocacionada para o teatro de revista à portuguesa. A Sociedade também era conhecida como “rasga a manta” ou “os Lagartos” porque os dirigentes eram pessoas da família Lagarto. Em agosto de 1945, verifica-se a fusão da Sociedade com o União Foot-Ball Clube Pinhalnovense, donde resulta o Clube Desportivo Pinhalnovense.
O edifício da “Sociedade Mercantil Panificadora, Limitada”, que a foto não mostra, foi um projeto de 1923, assinado pelo engenheiro Manuel Joaquim de Oliveira.
[1] CEBOLA, José Manuel (2005). O nosso sítio. “Memórias”, “João Augusto Baltazar Parreira”, [Pinhal Novo]: Edição do autor
[2] CEBOLA, José Manuel (2005). O nosso sítio. “Memórias”, “A Moagem”, [Pinhal Novo]: Edição do autor
[3] Mpart música participada. Departamento de Comunicação e Arte. Universidade de Aveiro. (2021). Grupo Coral da Coopinhal. Consultado em 01.02.2022, 16:30 http://tiny.cc/0h9ruz
[4] Wikipédia. A enciclopédia livre. (2021). Pluricoop. Consultado em 08.11.2021, 14:35 http://tiny.cc/9h9ruz
[5] Mpart música participada. Departamento de Comunicação e Arte. Universidade de Aveiro. (2021). Sociedade Filarmónica União Agrícola - Pinhal Novo. Consultado em 08.11.2021, 15:00 http://tiny.cc/fh9ruz
[6] Município Palmela. Início /Viver /Museu e Património /Património Cultural /Património Histórico, Escultórico e Edificado /Pinhal Novo. Consultado em 04.05.2022, 06:10 Coreto da SFUA - Sociedade Filarmónica União Agrícola de Pinhal Novo - CM Palmela (cm-palmela.pt)
[7] Samuel da Costa Xavier, poeta de Pinhal Novo, in CEBOLA, José Manuel (2005). O nosso sítio. “Memórias”, [Pinhal Novo]: Edição do autor
[8] José António Cabrita, Apontamentos de Investigação
[9] Samuel da Costa Xavier, poeta de Pinhal Novo, in CEBOLA, José Manuel (2005). O nosso sítio. “Memórias”, [Pinhal Novo]: Edição do autor
[10] Samuel da Costa Xavier, poeta de Pinhal Novo, in CEBOLA, José Manuel (2005). O nosso sítio. “Memórias”, [Pinhal Novo]: Edição do autor
[11] CEBOLA, José Manuel (2005). O nosso sítio. “Memórias”, “Mitra”, [Pinhal Novo]: Edição do autor
[12] CEBOLA, José Manuel (2005). O nosso sítio. “Memórias”, “Henrique Margarido”, [Pinhal Novo]: Edição do autor
[13] Samuel da Costa Xavier, poeta de Pinhal Novo, in CEBOLA, José Manuel (2005). O nosso sítio. “Memórias”, [Pinhal Novo]: Edição do autor