Palmela contra regime jurídico de transferência de competências para os Municípios
Este novo regime foi aprovado pelo Governo a 15 de janeiro, em reunião de Conselho de Ministros, apesar dos pareceres negativos dos Municípios e da própria Associação Nacional de Municípios Portugueses, obrigados a pronunciar-se sem que existissem estudos que fundamentem a opção e com prazos que impediram a discussão séria sobre as implicações da medida.
No documento, o Município demonstra-se disponível para debater e negociar um verdadeiro processo de descentralização de competências, em respeito pela autonomia do Poder Local e em que estejam garantidas as necessárias afetações de recursos humanos e materiais. Num momento em que as autarquias lutam pela prossecução das suas competências próprias, devido a graves imposições como a Lei dos Compromissos ou os limites à contratação de pessoal, não estão, claramente, reunidas as condições para avançar para este modelo de trabalho, que sugere, ainda, a implementação através de “projetos-piloto”, «reforçando a ideia de um país a várias velocidades».
São particularmente preocupantes as soluções preconizadas em áreas centrais para a qualidade de vida das populações e para o seu futuro, como a educação, a saúde ou a segurança social.
Para Palmela, a descentralização de competências nestas áreas só fará sentido no quadro de um amplo «processo de implementação das regiões administrativas, capaz de promover a criação de uma estrutura governativa intermédia, dotada de competências amplas, harmonizadora de políticas e recursos».
Segue, abaixo, o texto integral da Moção:
«O Governo aprovou na reunião de Conselho de Ministros do passado dia 15 de Janeiro o regime jurídico de transferência de competências para os Municípios nas áreas sociais, concretizando, segundo afirma, as disposições constantes da Lei n.º 75/2013 de 12 de Setembro.
Fê-lo apesar dos pareceres negativos dos Municípios e da sua Associação Nacional (ANMP), auscultados no âmbito de um processo que, como a própria ANMP refere, não representou mais que o cumprimento de uma formalidade, desprovido, até pelos prazos em que decorreu, de qualquer sentido substancial ou de qualquer vontade de construção de uma solução que não aquela que, pela mão do governo, se encontrava já gizada.
Mais, fê-lo sem explicações que permitissem entender o sentido do regime proposto, sem estudos que o sustentassem e sem um mínimo de fundamentação capaz de permitir, por exemplo, compreender a escolha das áreas abrangidas, das soluções preconizadas ou dos critérios aptos a garantir as indispensáveis uniformidade e universalidade territoriais na construção do processo e na afetação de recursos.
Fê-lo, em suma, sobre a ausência de todos os elementos cuja presença a própria Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro impõe.
Estando disponíveis para considerar um processo de descentralização de competências, este só o será realmente se for ponderado, amplamente consensualizado, territorialmente equilibrado, apto a contribuir para um modelo global de aproximação da administração às necessidades e aspirações das populações, acompanhado da afetação dos recursos materiais e humanos adequados.
Associamo-lo a um processo de implementação das regiões administrativas, capaz de promover a criação de uma estrutura governativa intermédia, dotada de competências amplas, harmonizadora de políticas e recursos.
Consideramos que, em Portugal, a ausência de um poder regional tem dificultado a existência de uma política verdadeiramente descentralizadora e de complementaridade. Podemos referir como exemplo – o processo de delegação de competências nos municípios, por via da contratualização, iniciado em 2008, que longe de traduzir uma orientação de descentralização, veio impor um processo forçado de transferência de encargos, subordinando as autarquias a meros executores das políticas definidas pela administração central, desrespeitando o princípio da autonomia do poder local, e desaproveitando as reais possibilidades que o princípio da subsidiariedade comporta.
Estaremos disponíveis para abordar um processo de descentralização num momento em que aos municípios sejam asseguradas as condições reais de prossecução das suas competências próprias historicamente consolidadas, quando a contratação de trabalhadores não seja objeto de cerceamentos injustificados. Quando a realização de despesa não se encontre limitada para lá do que a gestão financeira imporia ou a autonomia do Poder Local Democrático permite.
A solução que, nesta matéria, possa vir a ser encontrada, deverá passar por uma verdadeira descentralização de competências, onde o Poder Local Democrático se assuma como titular de atribuições e competências próprias, com os inerentes poderes de direção e conformação em sede de legalidade e mérito, em matérias que faça sentido à luz do princípio da complementaridade e que não ponha em causa a universalidade das funções sociais do Estado.
O governo, ao invés, vem preconizar um modelo assente numa delegação de competências onde os próprios elementos de negociação e contratualização parecem encontrar-se reduzidos a pouco mais que uma possibilidade, manifestamente incompatível com a dimensão autonómica do Poder Local Democrático, de adesão dos Municípios a condições e objetivos pré-definidos.
Condições e objetivos que, uma vez admitidos, desde logo nestas condições, configurariam uma subordinação a interesses, estratégias e políticas estranhas às próprias autarquias e à sua matriz, e que, associados à opção governativa de implementação deste processo através de “projetos-piloto”, reforçando a ideia de um país a várias velocidades, por si só justificariam o parecer negativo que a ANMP deu à proposta de lei apresentada.
O processo de delegação de competências anterior abriu espaço e justificou em muitas situações a privatização de funções educativas, restringiu o carácter universal e gratuito do sistema de ensino, afetou a dignidade da carreira docente, constituiu um adicional fator de novos encargos para as autarquias que se dispuseram a dar o passo da contratualização.
O modelo constante da proposta aprovada em Conselho de Ministros contempla um conjunto de soluções manifestamente inaceitáveis, entre as quais, e a título meramente exemplificativo, se contam:
a. A gestão curricular e pedagógica, passando pela gestão de recursos humanos, gestão financeira e gestão de equipamentos e infraestruturas dos estabelecimentos de ensino de segundo ciclo, a qual, considerando as condições definidas (onde se inclui um modelo claro de subfinanciamento), visa, no essencial, transferir custos para as autarquias;
b. A perda de autonomia e de competências das direções dos agrupamentos e escolas não agrupadas em detrimento do crescimento das competências municipais e supra municipais sobre as mesmas matérias;
c. O afastamento dos Municípios dos processos de discussão e decisão nas matérias de segurança social, reforçando um caminho que se afigura, no essencial, apostado em que os municípios sejam meros executores de um serviço de apoio social sem que tenham a possibilidade de definir políticas locais neste âmbito;
d. A delegação, nas áreas da saúde, de competências de recrutamento, gestão, formação e avaliação dos técnicos superiores, técnicos superiores de saúde, técnicos de diagnóstico e terapêutica, assistentes técnicos e assistentes operacionais, numa listagem da qual apenas se exclui o pessoal médico e enfermeiro;
e. A gestão das unidades de saúde (apoio domiciliário, UCC e URAP), prevendo-se aqui a “…execução de intervenções…” o que implica a gestão de espaços e projetos, para além da gestão de infraestruturas do ACES.
Abordar este tema num quadro não negocial, limitando a participação dos Municípios e da sua Associação Nacional a uma formalidade de pouco relevo, despida de qualquer substancialidade, indiferente para a conclusão do processo, constitui um contributo para a erosão de espaços de diálogo, de confronto de ideias, de realidades e opiniões.
Sabemos que é possível, com pressupostos claros e em condições específicas, construir um processo de descentralização de competências capaz de servir o país, as regiões, os municípios e as populações.
Estamos, como sempre estivemos, disponíveis para construir a melhor solução. Com conhecimento efetivo da realidade local. Com experiência. Com seriedade. Com rigor. Com vontade de trocar ideias e construir consensos é possível construir um processo de descentralização.
Confiamos que, no quadro autárquico, a ANMP e, em particular, o seu Congresso (que se encontra agendado para o primeiro trimestre de 2015), continuam a ser o espaço privilegiado para a continuação desta discussão.
Pelo exposto, a Câmara Municipal de Palmela reunida em sessão pública no dia 04 de Fevereiro de 2015, manifesta:
a. O seu desacordo expresso face ao regime jurídico de transferência de competências para os Municípios nas áreas sociais aprovado no Conselho de Ministros de 15 de janeiro;
b. A necessidade de um tal regime jurídico resultar de um processo de discussão e de um quadro de consensualização (não verificados), desde logo no plano municipal, capaz de reconhecer as especificidades locais e de integrá-las num todo nacional que, atentas as matérias em causa, consiga responder à necessidade de desenvolvimento do país a uma única velocidade, minorando discrepâncias, diferenças e desigualdades;
c. O seu repúdio face ao tratamento dispensado pelo Governo, ao longo de todo este processo legislativo, à ANMP e, consequentemente, aos Municípios portugueses e ao Poder Local Democrático;
d. A necessidade de promoção de uma discussão ampla, no quadro autárquico, relativamente às matérias em causa, com respeito pelos órgãos municipais e pelo princípio constitucional da autonomia municipal.
A presente Moção, uma vez aprovada, deverá ser remetida aos órgãos de comunicação social, à Assembleia Municipal de Palmela, à Associação Nacional de Municípios Portugueses, aos Agrupamentos de Escolas e escolas não agrupadas do concelho, ao Conselho Metropolitano de Lisboa, ao Governo, à Presidente da Assembleia da República e aos partidos com assento parlamentar e, ainda, ao Agrupamento de Centros de Saúde Arrábida, à Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo e ao Centro Distrital de Setúbal da Segurança Social.»