1 a 3 de abril: novas sugestões para “Ver, Ouvir e Ler” online

O “Ver, Ouvir e Ler” online tem novas sugestões para este fim de semana (1 a 3 de abril): “O Gosto dos Outros”, “Multitude” e “Havia”.
Para ver, o filme de Agnès Jaoui “O Gosto dos Outros” (2000), uma homenagem ao ator francês argelino, Jean-Pierre Bacri (1951-2021).
Para ouvir, “Multitude” (2022), o terceiro álbum do belga Stromae (trocadilho com palavra maestro), que atuará este ano, pela primeira vez, em Portugal, no NOS Alive, em julho.
Para ler, o livro de Joana Bértholo - uma escritora que migrou do design e das artes plásticas para a escrita - “Havia” (2012).
Aceda aos canais digitais Palmela Município, onde pode encontrar as imagens de capa e mais informação sobre as sugestões da Rede Municipal de Bibliotecas Públicas do concelho de Palmela.
Sugestão VER
Sinopse
O Gosto dos Outros, um filme de Agnès Jaoui. 2000
Homenagem ao ator francês argelino, Jean-Pierre Bacri (1951-2021).
«Sou incapaz de fazer outra coisa que o Bacri, porque sou o Bacri. Coisas alegres não me interessam, prefiro os anti-heróis»
O título diz tudo, o filme é sobre a dificuldade em lidar com o gosto dos outros. Sobre o sentimento de superioridade das «pessoas da cultura» em relação ao homem de negócios com dinheiro de origem modesta e personalidade simples. Saber quem é Ibsen ou Strindberg ou conhecer a pintura moderna e as correntes artísticas, por exemplo, permite o desprezo pelo que não conhece nada disso, pela sua falta de gosto e de altas referências. Observa-se a intolerância em relação à pessoa não culta e a crença quase enraizada de que um patético homem de negócios nunca poderá compreender nem sentir nada quanto à beleza de um texto clássico.
Castella é um homem de negócios de sucesso que, sem qualquer interesse, é arrastado pela mulher para uma peça de teatro. Para sua surpresa fica fascinado e voltará sozinho para ver outra vez o desempenho da atriz, que por coincidência lhe dará aulas de inglês. Entra assim em contacto com um mundo desconhecido que o vai interessando, onde se fala uma linguagem diferente e onde não é desejado.
Uma comédia séria com um argumento excelente, realizado pela atriz, argumentista e cantora, Agnès Jaoui.
Agnès Jaoui e Jean-Pierre Bacri foram um casal durante 25 anos e uma dupla interessante de trabalho em cinema e teatro. Além de atores, escreveram e adaptaram textos para cinema com eficácia e sucesso.
Jaoui estreou-se na realização com este filme em que Bacri teve o principal papel. O filme teve um merecido e inesperado sucesso, sendo mesmo nomeado para o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2001 e recebeu 14 prémios de cinema como os Césars 2001 para Melhor Filme, Melhor Argumento e Melhores Ator e Atriz Secundários.
O Gosto dos Outros é um olhar desencantado e terno sobre as relações sociais e familiares e os sentimentos nobres e medíocres que as assombram.
Qualquer pessoa gostará e compreenderá esta comédia, parente próxima da tristeza.
Sugestão OUVIR
Sinopse
Stromae
Multitude
É um caso sério da música com pronúncia francesa há já largos anos mas, estranhamente, não estreou ainda em palcos portugueses. Uma falha que será corrigida já no próximo dia 6 de julho, quando Stromae pisar o palco principal do NOS Alive no primeiro dia do festival.
Nascido na Bélgica, Stromae – um trocadilho com a palavra Maestro - é aquilo que se costuma chamar de artista completo: exímio contador de histórias, performer nato, observador atento do mundo e das suas contradições, dilemas e desigualdades – nas suas letras há lugar para a violência doméstica, as clivagens económicas ou o colonialismo, tudo embrulhado num festim onde a dança se diverte com a música pop. A somar a tudo isso, Stromae criou ainda a Mosaert, uma linha de roupa por si desenhada – diz-se que Jean-Paul Gaultier está entre os fãs - que dá, também, nome à sua própria editora.
Após a edição dos dois primeiros álbuns - «Cheese» (2010) e «Racine Carrée» (2013) -, onde encontramos temas épicos como «Papaoutai» ou «Alors On Danse» -, Stromae desapareceu de cena, regressando este ano com um disco triunfal: «Multitude». Um desaparecimento motivado por uma depressão grave que o afastou da música no final de 2013, a que se terá juntado a inércia artística, a vontade de viver como um simples mortal e o apelo do silêncio. Em conversa com o ípsilon, Stromae confessou o vazio criativo que se instalou depois da sua última tour: «Para ser honesto, depois do último tour senti-me vazio, criativamente falando. Precisava de viver uma vida normal. Casei-me, tive um filho [a quem dedica, no novo disco, o tema C’est que du bonheur]. Na verdade, nunca deixei de fazer música durante este período, mas não em termos da composição de um álbum. Quando me senti restabelecido, por volta de 2018, comecei a compor e a escrever. Antes disso, sinceramente, não tinha nada para dizer... Não quero fazer um disco sem ter realmente alguma coisa sobre a qual quero falar. Preciso de ter inspiração da vida, daquilo que vejo, sinto… É o que me alimenta».
«Multitude» é, para além de mais pessoal e íntimo, um disco atravessado pela multiculturalidade e pela fusão musical, com arranjos primorosos que vão de uma banda sonora alternativa ao Rei Leão - «Invaincu» - à reinvenção da chanson française com o embalo de Brel - «L'Enfer», música sobre saúde mental e menção ao suicídio que, cantada em horário nobre nos estúdios da TF1, dividiu águas como Moisés. Um caldeirão de influências e sonoridades que só mesmo Stromae conseguiria domar sem correr o risco de fazer asneira, um pouco como a poção mágica entregue em exclusivo a Panoramix.
Nesta viagem pela tragédia humana, o eurodance e a eletro-pop são agora um tímido vislumbre, abrindo espaço para geografias africanas, caribenhas e outras, nas quais instrumentos tão incríveis como o erhu chinês, a zurna asiática ou as cordas andinas do charango, sem esquecer o cravo e todo o arsenal trazido pela Orquestra Nacional Belga, que marca também presença. Magnifique.
Sugestão LER
Sinopse
Havia, um livro de Joana Bértholo. Editorial Caminho, 2012
Havia, mas se não houvesse, era uma questão de acreditar que havia, mesmo.
Havia um índice muito desarrumado. Nunca sabia onde punha as coisas. Ao procurar uma meia desemparelhada, encontrou uma antiga carta de amor, enterneceu-se, e concluiu que ser desarrumado também tinha as suas vantagens.
Havia um absurdo que não ouvia nada bem … este absurdo era mesmo surdo.
Havia uma rapariga que todas as manhãs saía para tomar café com um poema.
Havia um senhor que escrevia muitos livros, mas só um deles teve sucesso. Um fenómeno literário nunca dantes visto.
Havia uma ilha rodeada de terra por todos os lados e, quando rebentou o vulcão, cuspiu também a catástrofe.
Havia uma cidade que permanecia anónima. Era a Anonimicidade.
Havia um sentimento que não tinha nome. Era assim uma espécie de arrebatamento, mas provocou vinte e oito divórcios, seis casamentos e um funeral.
Havia uma linguagem corrente que era coxa.
Havia, uma, vírgula, com, uma, tão, exor,bitan,te nece,ssi,dade,,, de, prota,go,nismo,,,,, qu,,, e ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,
São enunciados de algumas das pequenas histórias que enchem de graça esta obra, que subvertem a normalidade das coisas que existem e acontecem, jogando com as palavras e as noções. Assim uma infinidade de pequenas histórias agradáveis, divertidas e sérias, que não começam por era uma vez, mas usando o verbo haver no pretérito imperfeito. O livro é fresco, subverte e convida a inventar muitas outras coisas comuns que havia, houve e há por aí e que podem levar uma volta se as escrevermos à nossa maneira. Ou melhor: se as escrevermos até encontrar a nossa maneira. Toca a experimentar com os miúdos de todos os tamanhos!
Uma escritora que migrou do design e das artes plásticas para a escrita: Joana Bértholo é fantástica.
No site do grupo editorial, sobre a autora pode ler-se: «Chega a Lisboa em 1982, à Índia em 2003, a Berlim em 2007, a Buenos Aires em 2009, a Sevilha em 2012. Chega a estudar Design, chega a escrever uma tese sobre práticas artísticas de intervenção social mas segue directo para o doutoramento em Estudos Culturais. Debruça-se sobre o tema das sombras» (a lembrar a Lourdes Castro?!) «Ao longo de tudo isto nunca chega a parar de escrever, e ganhar alguns prémios» (muitos!)
Joana Bértholo escreve de forma que lembra suavemente os textos de Boris Vian.